Gabriela Ruivo Trindade numa foto retirada do Facebook |
O
romance Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade, uma portuguesa
residente em Londres, ganhou esta terça-feira o Prémio Leya, no valor de cem
mil euros.
Tal como acontecera com o vencedor da edição de 2011, João Ricardo
Pedro, a autora, uma psicóloga de 43 anos, está neste momento desempregada.
Manuel
Alegre, presidente do júri, depois de aberto o envelope onde está escrito o
nome do concorrente, comunicou por telefone a Gabriela Trindade a notícia de
que era vencedora do Prémio Leya. Nessa altura ficou a saber que ela nunca
tinha escrito um romance e também nunca tinha publicado. “É um romance onde se
cruzam histórias individuais com a história colectiva. É um romance onde se
cruzam várias personagens e é também a história de uma cidade do Alentejo,
Estremoz”, disse ao PÚBLICO o escritor.
“Tem
personagens femininas muito fortes, isso foi uma das coisas que mais me marcou
e uma história de amor também muito forte”, acrescentou. E tem ainda “traços de
originalidade e modernidade” como o facto de mostrar algumas fotografias de um
personagem que a certa altura vai para África, são fotografias dos anos 30,
numa fazenda de café. “Foi uma boa escolha. Vê-se que num período de crise
destes, as pessoas estão a procurar soluções pela criatividade e neste caso
pela criatividade literária.”
A
obra vencedora, anunciada esta terça-feira de manhã, foi escolhida por um júri
que incluiu também os escritores Nuno Júdice, Pepetela e José Castello, e ainda
José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário,
reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita
Chaves, da Universidade de São Paulo.
O
poeta Nuno Júdice disse que destacaria em primeiro lugar “a qualidade da
escrita” na obra da premiada. “A coerência com que a história de uma família de
Estremoz é narrada desde o século XIX até este século sem seguir o cânone do
romance realista do século XIX.” Retrata a realidade, pouco conhecida, da
emigração para África muito antes da guerra colonial. "É uma visão muito
inovadora da nossa história com pouco mais de um século."
Com
cerca de 300 páginas, é um romance contado a várias vozes, com personagens
femininas muito fortes, em que o ponto de vista da história se vai alterando.
Júdice, tal como Alegre, explicou que não se trata de uma narração
simples, mas de um romance em que por vezes encontramos documentos visuais que
nos permitem ver melhor o que foi essa época: “Junta fotografia com
ficção.”
A
força do livro está para o crítico literário brasileiro José Castello, que
também fez parte do júri, “na insatisfação” que gera a escrita de Gabriela
Ruivo Trindade. “É uma escrita polifónica. Uma escrita que mistura
fotografia, árvore genealógica, é uma escrita inquieta”, disse Castello ao
PÚBLICO. “Muitas vezes existem livros bem narrados, bem organizados mas
escritos com medo. Escritos dentro de modelos clássicos, repetitivos. E esse
livro, mal você começa a ler começa a descobrir que está entrando num terreno
que nunca pisou."
Para
o crítico, "essa aposta numa escrita muito original, num olhar
original sobre o mundo me parece que foi o motivo mais forte para premiar esse
livro”. O romance tem “um entrelaçamento de histórias” mas “o principal
são as vozes”. “Você nunca sabe direito os limites de fantasia e de realidade.
É um livro muito interessante, só lendo mesmo para poder entender”,
acrescentou.
Segundo
o grupo Leya, esta foi, até agora, a edição “mais concorrida e internacional”
do prémio, com 491 originais oriundos de 14 países. Instituído em 2008 com o
objectivo de distinguir anualmente um romance inédito escrito em língua
portuguesa, o prémio foi nesse ano atribuído ao livro O Rastro do
Jaguar, do jornalista e ficcionista brasileiro Murilo Carvalho. No ano
seguinte venceu o escritor e historiador moçambicano João Paulo Borges Coelho,
com o romance O Olho de Hertzog, e em 2010 o júri, também então
presidido por Manuel Alegre, decidiu não atribuir o prémio, entendendo que
nenhum dos originais recebidos tinha qualidade para o receber.
Nos
últimos dois anos, o Prémio Leya ficou em Portugal: em 2011 recebeu-o João
Ricardo Pedro, com O Teu Rosto Será o Último, e ano passado foi a
vez de Nuno Camarneiro, com o romance Debaixo de Algum Céu.
FONTE: PÚBLICO