sexta-feira, 2 de maio de 2014

«PERFUMES»: PHILIPPE CLAUDEL, O EVOCADOR DE ODORES E MEMÓRIAS


Philippe Claudel, escritor e realizador francês nascido em 1962, inventaria os odores da sua infância enquanto transmuda os leitores para lugares distantes, revivendo cada momento com uma delicadeza comovente. A sua “receita” é de tal forma descritiva que quase se torna tacteante, percorrendo todas as terminações nervosas. Falamos de «Perfumes», editado pela Sextante Editora.


Autor do best-seller «Almas Cinzentas», que venceu o Prémio Renaudot 2003 e o Grande Prémio literário Elle 2004, realizou ainda, em 2008, o filme « Há Tanto Tempo Que Te Amo» (Il y a longtemps que je t'aime), distinguido com um prémio BAFTA. É ainda professor universitário em Nancy.
Claudel nasceu na pequena cidade de Lorena (nordeste de França), onde vive até hoje, mas as suas narrativas levam-nos aos quatro cantos do mundo. Com um apego sincero por o que de mais simples pode haver, a essência das coisas, o seu último livro, ao contrário do que o título sugere, pouco tem de inebriante.
Começa por citar Charles Baudelaire (Um hemisfério numa cabeleira): «Deixa-me respirar longamente, longamente, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água de uma fonte, e agitá-los com a minha mão como a um lenço perfumado, para sacudir recordações no ar.» Uma forma sublime de começar uma cartilha que vai de Abeto, Aftershave, Alho, Bafio, Canábis, a Creme solar, Estrume, Molho de tomate, Morte, Putrefacção, Toucinho frito, Velhice e Viagem.
Neste compêndio de prosa, evoca memórias de infância, desde a cozinha da avó, o pai na casa de banho, a adolescência e os primeiros amores, os quartos de hotel e os seus sabonetes. A sua escrita é de uma perfeição tocante; tem um talento nato para descrever o imperceptível, o indescritível, com uma fluidez que desarma.
Entre Madeleine de Proust, o primeiro gole de cerveja, aventurando-se pelo simbolismo de Charles Baudelaire, Claudel revive lugares, ambientes, emoções, cheiros e cores. E mais espectacular ainda é o silêncio que emana das suas histórias. Não há ruído. Um inegável talento, com cada evocação a fazer ressurgir um mundo outrora esquecido, como o dia em que recebeu de presente a sua primeira bicicleta e que, ao recordá-lo, descreve o cheiro do creme solar que a mãe usava, ou a cave das suas tias-avós, onde o frio faz-se matéria e os seus passos assentam numa terra que se diria removida pela pá de um coveiro, as horas elásticas do Verão, nas estradas estreitas marginadas de trigos maduros, com o sol a descolar da crosta do asfalto, ou do deleite do seu pai pelos fedores comestíveis ao referir-se ao queijo Munster. Aliás, esta última vinheta termina com uma jactante frase, intangível de tão perfeita que é: «Enganamo-nos tantas vezes, sobre os queijos ou sobre os seres.»
«Perfumes» impele a um brinde às emoções, às cores e cheiros, aos minuciosos detalhes da vida de cada um. Uma obra de génio.