terça-feira, 27 de janeiro de 2015

«28 Dias»: que tipo de pessoa cada um quer ser no gueto de Varsóvia



Vinte e oito fatídicos dias no gueto de Varsóvia. A cronologia não é rigorosamente linear, mas justifica-se. Falamos do último romance do alemão David Safier, autor de «Maldito Karma», publicado em 2011 pela Planeta. Mas agora, o registo é radicalmente outro. Através da mesma editora, «28 Dias» acompanha os horrores do nazismo e a insurreição no gueto de Varsóvia pelos olhos de Mira, a protagonista, uma jovem judia de 17 anos que faz de tudo para sobreviver, sustentar a família e evitar que sejam deportados para o campo de extermínio de Treblinka.








Sim, esta é mais uma história sobre o Holocausto, mas não se pense que é igual a tantas outras já publicadas. Apesar de abordar a crueldade, traição e preconceito vividos pelos judeus neste gueto, o que está realmente em foco nesta obra é que os humanos, mesmo em situações de limite, são capazes de grandes gestos de altruísmo.
Como já mencionado, a cronologia foi alterada, e o título até pode levar ao engano, mas faz sentido que assim seja. Safier optou por iniciar a trama meses antes destes últimos 28 dias para contextualizar o leitor, ambientá-lo, e, acima de tudo, desenvolver a personagem de Mira. Se assim não fosse, tornar-se-ia muito mais difícil descrever o crescente desespero por entre os judeus face à iminência de deportação.
Apesar de inspirado em factos reais, Mira nunca existiu. Safier deixa-o bem explícito. Mas tudo o resto aconteceu. Relata as condições desumanas em que os judeus viviam, forçados a trabalhar para os nazis em fábricas enquanto definhavam subnutridos, o cheiro putrefacto dos corpos deixados ao abandono nas ruas lamacentas do gueto, as perseguições horrendas das SS, o orfanato dirigido pelo famoso professor Janus Korczak, que acabaria por ser morto com os seus órfãos nas câmaras de gás, o grupo de resistência que se opôs às SS e que criou a organização ZOB, os bordéis geridos por mafiosos. Em suma, episódios já contados em várias outras obras do género.
Mas então o que difere neste «28 Dias»? A protagonista. Uma adolescente lutadora, corajosa, que se recusa a baixar os braços face às adversidades. É uma pessoa atormentada, dividida, sempre a questionar a moralidade da condição humana. Será lícito matar para sobreviver? «Que tipo de pessoa cada um quer ser?» Mira questiona-se reiteradamente ao longo das 359 páginas desta obra. Mas a sua integridade prevalecerá.
A jovem judia é introduzida na história a tentar contrabandear comida do lado polaco para o gueto. A sua missão é, acima de tudo, garantir a sobrevivência da família. E assim se vão aguentando. Deploravelmente, é certo, mas quando comparado com o que os rodeia, pode-se dizer que há quem esteja pior, muito pior. Porém, quando os nazis começam a anunciar a deportação dos judeus para os campos de extermínio, aí dá-se a volta-face. Com os crescentes rumores das deportações, começa uma corrida desenfreada para obter a documentação necessária para ficarem a salvo. Assim se pensa. Não passa de um engodo. O destino de todos naquele gueto está traçado. Mas Mira é determinada. Junta-se ao grupo de resistência que ficaria conhecido como a organização ZOB e descobre que não há limites quando se trata de tentar sobreviver.
Nesta obra, a jovem tornou-se uma lenda. E esta história ficará para os anais como um legado. Esqueçamos por breves instantes, se possível, o Holocausto. Transpondo o que nela é descrito para os dias de hoje, a mensagem não pode ser diferida; um incitamento à não resignação e à absoluta necessidade de resistir contra as injustiças.